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Aula I: Escrita

  • Foto do escritor: Maurício Mafra
    Maurício Mafra
  • 28 de jan. de 2019
  • 3 min de leitura

Nas aulas sobre escrita separaremos alguns trechos que acharmos melhor, onde haja uma bela forma, seja pela clareza ou pela musicalidade ou pelo arranjo das rimas e palavras ou por tudo isso. Depois compararemos com outras versos do mesmo poema, usarei a obra traduzida por Frederico Lourenço, publicado pela editora Penguin Companhia. Isso para notarmos a diferença da forma, mesmo quando se quer dizer a mesma coisa, e assim aprendermos a apurar nossa percepção.

Carlos Alberto Nunes :

Longe das naves se foi assentar, donde as flechas dispara.

Do arco de prata começa a irradiar-se um clangor pavoroso.

Primeiramente, investiu contra os mulos e os cães velocíssimos;

mas, logo após, contra os homens dirige seus dardos pontudos,

exterminando-os. Sem pausa, as fogueiras os corpos destruíam.

[Ilíada, I, 48-52]

Frederico Lourenço:

Depois sentou-se à distância das naus e disparou uma seta:

terrível foi o som produzido pelo arco de prata.

primeiro atingiu as mulas e os rápidos cães

mas depois disparou as setas contra os homens.

As piras dos mortos ardiam continuamente.

[Ilíada, I, 48-52]

Começamos com a separação das sílabas, ela é o primeiro passo para analisarmos o poema estruturalmente.

lon-ge-das-na-ves-se-foi-as-sen-tar-don-de-as-fle-chas-dis-pa-ra ----> 18 sílabas do-ar-co-de-pra-ta-co-me-ça-a-ir-ra-di-ar-se-um-clan-gor-pa-vo-ro-s --> 22 sílabas pri-mei-ra-men-te-in-ves-ti-u-con-tra-os-mu-los-e-os-cães-ve-lo-cís-si-mos->22 síl mas-lo-go-a-pós-con-tra-os-ho-mens-di-ri-ge-seus-dar-dos-pon-tu-dos->19 silabas ex-ter-mi-nan-do-os-sem-pau-sa-as-fo-guei-ras-os-cor-pos-des-tru-í-am->20silaba

de-pois-sen-tou-se-à-dis-tân-cia-das-naus-e-dis-pa-rou-u-ma-se-ta ----> 19 sílabas ter-rí-vel-foi-o-som-pro-du-zi-do-pe-lo-ar-co-de-pra-ta -----> 17 sílabas pri-mei-ro-a-tin-gi-u-as-mu-las-e-os-rá-pi-dos-cães ----> 16 sílabas mas-de-pois-dis-pa-rou-as-se-tas-con-tra-os-ho-mens ---> 14 sílabas as-pi-ras-dos-mor-tos-ar-di-am-con-ti-nu-a-men-te ----> 15 sílabas

Nesse primeiro momento percebemos que o Nunes utiliza mais sílabas, isso se deu pelo fato dele querer trazer a musicalidade para sua tradução, deixar todos os versos com 16 sílabas poéticas, enquanto o Lourenço fez a tradução com verso livre. Mas aonde estão essas 16 sílabas poéticas? Primeiro vamos saber o que são essas sílabas. Segundo Aristóteles sílabas são sons distintos, logo quando se percebe a distinção do som separa-se a sílaba.

Exemplos de palavras:

peculiar (pe-cu-li-ar) ---> 4 sílabas

qualquer (qual-quer) ---> 2 sílabas

Exemplos de sílabas poéticas:

da casa (da-ca-sa) ---> 3 sílabas

da água (d'á-gua) ---> 2 sílabas

Acontece que a união das vogais fazem com que elas sejam, no som, uma mesma sílaba, mesmo que as palavras apresentem mais sílabas, ou seja, quando se canta ou declama um poema algumas sílabas são unidas para dar-lhe fluidez. Além disso no poema só se conta até a última sílaba tônica. Voltemos para o primeiro verso selecionado:

Verso de Nunes:

lon-ge-das-na-ves-se-foi-as-sen-tar-don-deas-fle-chas-dis-pa-ra -->16 sílabas

Verso de Lourenço:

de-pois-sen-tou-se-à-dis-tân-cia-das-naus-e-dis-pa-rouu-ma-se-ta ---> 17 sílabas

Vemos em negrito a última sílaba tônica do verso, depois dela não se conta nenhuma sílaba e sublinhado e em itálico as sílabas poéticas unidas. O exercício proposto é fazer essa visão nos trechos escolhidos, para percebermos a fluidez de cada poema, caso se faça, perceber-se-á uma constância na quantidade de sílabas poéticas na tradução de Nunes, enquanto que em Lourenço não há. A constância de sílabas é chamada de métrica. Essa métrica dá fluidez, pois as palavras terão sílabas tônicas, declamadas com uma voz mais forte, dando assim altos e baixos. As rimas não eram usadas no textos antigos, então nesse caso específico não trataremos disso.

Com relação ao entendimento, Nunes utiliza palavras mais "difíceis" devido a sua intenção de deixar seus versos mais longos sem perder sentido, e além disso ele utiliza um estilo diferenciado, ele inverte constantemente a posição do sujeito e do predicado, isso se dá para formar esses altos e baixos, além de diminuir, intencionalmente, algumas sílabas e terminar em um sílaba correta, dando assim a fluidez desejada.

Já Lourenço faz versos mais "simples", com as ordens comuns entre sujeitos e predicados, pois sua intenção é trazer clareza ao poema, facilidade no entendimento. Por vezes é mais claro ler Lourenço, mas o vocabulário rico e as jogadas, as modificações e empregos distintos das orações de Nunes enriquecem sua tradução, a tal ponto de enriquecer nosso vocabulário e nosso estilo de escrever. Em uma primeira leitura talvez Lourenço seja mais aconselhável, todavia a dificuldade forma homens mais fortes e aí que reside sua intenção.

Voltando ao ponto e ao exercício. Escolham ao menos um trecho de 5 versos e separe-os em sílabas, depois em sílabas poéticas. Se tiver a mão outra tradução confira os mesmos versos e compare-os para ver qual é mais nítido. Feito isso, cante ou declame os versos para compreender a métrica, para aguçar os sentidos e verás que aos poucos não precisará fazer este exercício, tudo virá como na ponta da língua. Depois de decorado tente fazer fazer sua versão sem perder o sentido e modificando algumas palavras.

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Trabalho realizado por iniciativa própria.  2017

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