Ilíada. I, 1-52
- Maurício Mafra
- 14 de jan. de 2019
- 2 min de leitura
Cata-me a Cólera - ó deusa! - funesta de Aquiles Pelida,
causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos
e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados
e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio
desde o princípio em que os dois, em discórdia, ficaram cindidos,
o de Atreu filho, senhor de guerreiros, e Aquiles divino.
Qual, dentre os deuses eternos, foi causa de que eles brigassem?
O que de Zeus e de Leto nasceu, que, com o rei agastado,
peste lançou destruidora no exército. O povo morria,
por ter o Atrida Agamémnone a Crises, primeiro, ultrajado,
o sacerdote. Este viera, até as céleres naus dos Aquivos,
súplice, a filha reaver. Infinito resgate trazia,
tendo nas mães as insígnias de Apolo, frecheiro infalível,
no cetro de outro enroladas. Implora aos Aquivos presentes,
sem exceção, mas mormente aos Atridas, que povos condizem:
"Filhos de Atreu, e vós outros, Aquivos de grevas bem-feitas,
dêem-vos os deuses do Olimpo poderdes destruir as muralhas
da alta cidade de Príamo, e, após, retornardes a casa.
A minha filha cedei-me, aceitando resgate condigno,
e a Febo Apolo, nascido de Zeus, reverentes mostrai-vos."
Os heróis todos Aquivos, então, logo ali concordaram
em que se o velho acatasse, aceitando os presentes magníficos.
Somente o peito do Atrida Agamémnone o alvitre desprouve,
que o repeliu com durez, assacando-lhe insultos pesados:
"Velho, que nunca te venha a encontrar junto às céleres naves,
quer te detenhas agora, quer voltes aqui novamente,
pois as insígnias do deus e esse cetro nada te valem.
Não na liberta, está dito. Que em Argos, mui longe da terra
do nascimento, há de velha ficar em o nosso palácio,
a compartir do meu leito e a tecer-me trabalhos de preço.
Não me provoques, retira-te, caso desejes salvar-te."
Isso disse ele, medroso, o ancião se curvou às ameaças,
e, taciturno, se foi pela praia do mar ressoante,
onde, de um ponto afastado, dirige oração fervorosa
a Febo Apolo, nascido de Leto de belos cabelos:
"Ouve-me, ó deus do arco argênteo, que Crisa, cuidadoso, proteges,
e a santa Cila, e que tens o comando supremo de Tênedo!
Ajudador! Já te tenho construído magníficos templos,
bem como coxas queimado de pingues ovelhas e touros.
Ouve-me, agora, e realiza este voto ardoroso, que faço:
possas vingar dos Aqueus, com teus dardos, o pranto que verto."
Isso disse ele na súplica; ouvido por Febo foi logo.
O coração indignado, se atira dos cumes do Olimpo;
atravessando nos ombros leva o arco e o carcás bem-lavrado.
A cada passo que dá, cheiro de ira, ressoam-lhe as flechas
nos ombros largos; à Noite semelha, que baixa terrível.
Longe das naves se foi assentar, donde as flechas dispara.
Do arco de prata começa a irradiar-se um clangor pavoroso.
Primeiramente, investiu contra os mulos e os cães velocíssimos;
mas, logo após, contra os homens dirige seus dardos pontudos,
exterminando-os. Sem pausa, as fogueiras os corpos destruíam.
[Ilíada. I, 1-52]

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